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Araraquara 207 anos: relembre o linchamento dos Britos e devoção por supostos milagres de tio e sobrinho mortos há mais de um século

Postado em 22 de Agosto de 2024


Episódio violento marcou a história de Araraquara, no interior de SP, em janeiro de 1897 e vítimas se tornaram alvo de devoção popular.

Memorial da família foi inaugurado em junho deste ano.

Devoção e 'milagre' atraem fiéis dos Britos há décadas em cemitério de Araraquara O antigo cemitério das Cruzes, hoje rebatizado de cemitério dos Britos, é um local emblemático de Araraquara (SP), onde a história de uma cidade transcendeu a violência e emergiu em fé.

Nos 207 anos da cidade, comemorados nesta quinta-feira (22), o g1 mostra como a história de uma família ainda mexe com o imaginário e crença da cidade até os dias atuais.

No bairro Vale do Sol estão enterrados Rosendo de Souza Brito e Manoel de Souza Brito, sobrinho e tio que foram agredidos até a morte no final do século 19, no episódio que ficou conhecido como “Linchamento dos Britos”.

Participe do canal do g1 São Carlos e Araraquara no WhatsApp Em junho deste ano, um memorial foi inaugurado no espaço contando a história com o desfecho trágico e que mesmo após 127 anos atrai devotos e curiosos.

Fiéis relatam e agradecem por supostos milagres dos Britos. “Os Britos são muito milagrosos, tudo que pede com amor e fé eles atendem.

Eu vou sempre lá na capela.

Rezo o terço e oro para eles.

Faz novena para os Britos que você alcança”, contou a aposentada Júlia Corbe da Costa, de 87 anos. O espaço costuma receber fiéis em romaria, principalmente no Dia de Finados, e pagadores de promessas.

Sala dos Ex-votos é repleta de fotografias e placas de agradecimento aos Britos em Araraquara (SP) Amanda Rocha/g1 Mais notícias da região: Lendas: VÍDEO: casarão 'mal-assombrado' de 144 anos atrai curiosos por supostos gritos, fantasmas e até tesouro no interior de SP Rota rutal: Pão feito de flor e sabores da roça atraem público à padaria e lanchonete rural a 30 km de Araraquara Nostalgia: Locadora de filmes em DVD e VHS é mantida há 38 anos e resiste aos streamings no interior de SP Memorial de fé Com oito placas informativas, o memorial dos Britos contextualiza a história junto à biografia de Rosendo e Manoel.

A capela “São Manoel” foi reformada assim como a Sala dos Milagres, hoje Sala de Ex-votos, com centenas de fotos de pessoas e placas com agradecimentos por bênçãos e milagres alcançados.

Placas informativas contam a trágica história no Memorial dos Britos em Araraquara Amanda Rocha/g1 Os túmulos do tio e sobrinho estão sob a capela, considerada um lugar sagrado.

A obra foi construída entre 1945 e 1952 através de uma doação.

Com investimento de quase R$ 2 milhões, a reforma foi realizada pela Prefeitura de Araraquara por meio da Secretaria de Cultura e da Secretaria de Obras e Serviços Públicos, e um velório ainda será construído no espaço contemplando a obra ecumênica.

Capela São Manoel foi reformada no cemitério dos Britos em Araraquara: tio e sobrinho estão enterrados no local considerado Amanda Rocha/g1 Tensão política sangrenta No final do século 19, Araraquara vivia uma forte tensão política, de um lado o poderoso coronel republicano Antônio Joaquim de Carvalho e do outro o jornalista sergipano Rosendo de Brito que residia na cidade e defendia a monarquia.

O jornalista costumava publicar matérias combativas aos protegidos do coronel e injustiças cometidas na cidade.

Com o clima faiscando, no dia 30 de janeiro de 1897 o coronel resolveu tirar satisfação com Rosendo na farmácia de seu tio, o Manoel.

Aos gritos e ofensas, Antônio de Carvalho bateu com a sua bengala em Rosendo que ao perceber o seu movimento em sacar uma arma, agiu em legítima defesa e disparou dois tiros mortais no agressor.

Manoel tentou apartar a briga sem sucesso e mesmo não tendo nenhuma culpa acabou preso ao lado do sobrinho.

Após uma semana da morte, capangas e familiares do coronel os arrancaram da cadeia pública e os lincharam em frente à praça da Matriz.

Bustos de Rosendo e Manoel Brito ficam na sala dos Ex-Votos no cemitério dos Britos em Araraquara Amanda Rocha/g1 Os restos mortais foram levados até o cemitério das Cruzes, na época um lugar afastado da cidade (Vale do Sol) onde se enterravam pessoas com febre amarela.

O episódio rendeu a cidade o apelido de “Linchaquara”, com o saldo da violência nas costas da população, que não teve nada a ver com as agressões.

Ninguém foi preso ou culpado pelas mortes e a injustiça marcou o período.

Mas relatos de que tio e sobrinho eram milagreiros começaram a aparecer nos começo do século 20 e os Britos se tornaram símbolos de fé.

O historiador e jornalista Amilton Mendes endossa que a família do coronel proibia o acesso da população araraquarense ao cemitério para evitar a peregrinação, que acontecia antes no chafariz da Praça da Matriz.

"Em 1914/1915, uma grande remodelação na praça foi feita pelo prefeito, o Major Dario de Carvalho, filho do coronel.

Ele decidiu construir o chafariz exatamente no local onde ficaram os corpos para evitar que se tornasse um lugar de peregrinação, porque nos anos 1910 a devoção já era grande por lá.

Mas no final a peregrinação passou a ser na capela do Cemitério dos Britos", comentou.

Devoção Placas de agradecimento na sala dos Ex-Votos no cemitério dos Britos em Araraquara Amanda Rocha/g1 Desde criança, dona Júlia observava a mãe fazendo novena para os Britos para cura do pai que sofria de úlcera e cirrose grave.

O pai venceu a doença e viveu até os 74 anos.

“Minha mãe também fazia novena para o meu pai que tinha úlcera.

Eles iam de carroça naquela época.

Meu pai foi curado, tinha uma cirrose grave.

Minha mãe ia todo Finados lá”, relembrou.

Moradora do bairro São José, a aposentada seguiu literalmente os passos da mãe e ia a pé até cemitério no Vale do Sol para fazer novena ao filho doente e pagar promessa.

“Fiz muita novena para os Britos, ia e voltava a pé.

Eu fiz para meu filho quando ele era criança porque teve problema de desgaste nos nervos na perna e ele ficou bom graças aos Britos.

Ele foi curado, voltou a jogar bola, corria, brincava.

Cresceu e ficou bom.

Morreu já adulto de câncer de estômago, não deu para curar dessa vez”, contou.

Placa de agradecimenteo na antiga Sala dos Milagres no cemitério dos Britos em Araraquara Amanda Rocha/g1 Dona Júlia comentou que vai até hoje à capela orar por Rosendo e Manoel.

“A última vez que fui faz alguns meses.

Fui muito devota e fiz várias novenas”, disse.

Ela também comentou que uma amiga vinha de São José do Rio Preto(SP) para Araraquara cumprir promessas.

“Eu tenho uma amiga que curou o filho de um problema de saúde, ela vinha fazer novena aqui.

É muito poderoso”, contou.

De pai para filha Alan e Kailany Luz são moradores do Vale do Sol e conhecem a história dos Britos de Araraquara (SP).

Na foto, eles observam o quadro na Sala dos Milagres. Amanda Rocha/g1 O caminhoneiro Alan Luz, de 43 anos, cresceu no bairro Vale do Sol e sempre acompanhou a peregrinação de fiéis a capela dos Britos.

Ao lado da filha Kailany Luz, de 20 anos, ele visitava o memorial recém inaugurado com ela.

“Pesquisei a história e fiquei impactado com a crueldade e com falta de justiça, a cidade ficou marcada com esse episódio.

Eu tenho orgulho dos Britos, por estarem enterrados aqui no nosso bairro e por todo contexto de milagreiros”, disse.

Alan acredita na aura mística do espaço ecumênico e já prestou homenagem a Rosendo e Manoel através da música.

“Eu sou católico e toco em igrejas, já toquei muito na capela dos Britos em missas.

Já cantei para eles.

Os Britos estão enterrados embaixo aqui na capelinha.

Eu sempre vi pessoas da comunidade fazendo oração, é sinal de que alguma coisa de bom tem e traz uma energia boa para gente que mora aqui na região.

Eu acredito nisso”, conclui.

Cemitério dos Britos de Araraquara é um local emblemático na história da cidade Amanda Rocha/g1 VEJA VÍDEOS DA EPTV: Veja mais notícias da região no g1 São Carlos e Araraquara.

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