Estudo confirmou que mamífero depende do micro-organismo para sua nutrição e vice-versa.
Enzima produzida pelo protozoário pode ajudar no reaproveitamento de biomassa.
Capivaras registradas em Vitória (ES) fabricio_reis_costa / iNaturalist Pode ser intrigante descobrir que a capivara se alimenta de fezes, e mais intrigante ainda é saber que essas fezes são de suas colegas e não dela mesma.
Esse hábito possibilita ao maior roedor do mundo se manter nutrido, já que sua dieta, mesmo sendo herbívora, é de difícil digestão. Um estudo publicado no começo de julho, realizado em parceria pela Unicamp e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), comprovou que esse hábito está relacionado a uma interação mutualista da capivara com um micro-organismo que habita que seu intestino: o protozoário Muniziella cunhai. Antes da pesquisa, já se imaginava que o roedor dependia da simbiose com os micro-organismos existentes em seu trato alimentar para digerir a dieta herbívora, já que esses animais não são capazes de produzir as enzimas responsáveis por quebrar as fibras presentes nas plantas que consomem. “Observamos que o protozoário utiliza os compostos que a capivara consome [presentes na dieta herbívora] e não consegue digerir, especialmente os carboidratos estruturais da matéria vegetal, em seu próprio metabolismo”, explica Franciane Cedrola pesquisadora de pós-doutorado no Laboratório de Diversidade Genética do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. “Em troca, o micro-organismo libera compostos que a capivara pode absorver, como ácidos graxos voláteis, lipídios, aminoácidos e vitaminas, que são essenciais para a nutrição dos mamíferos herbívoros”, completa a pesquisadora. Produção de etanol Além de ajudar na digestão da capivara, os pesquisadores descobriram que as enzimas produzidas pelo protozoário Muniziella cunhai também têm potencial de otimizar a produção de etanol brasileira. Como a maior parte da produção do combustível no país é feita a partir do caldo da cana-de-açúcar, há uma sobra de biomassa nesse processo - de difícil processamento, mas alto potencial energético - que poderia ser aproveitada pela síntese em laboratório das enzimas de Muniziella cunhai. Assim, a produção de etanol poderia ser otimizada ao dar uso a uma matéria-prima que seria descartada, o que também reduziria o impacto ambiental da atividade. Veja protozoário que habita intestino de capivara e mantém relação mutualista com ela Digestão difícil Embora o protozoário faça o trabalho difícil de digerir as fibras vegetais e liberar os nutrientes que a capivara precisa, ela não consegue absorvê-los diretamente.
Assim, eles acabam sendo expelidos na forma de fezes e, para poder aproveitá-los, a capivara ingere fezes de suas colegas "direto da fonte".
Essa dificuldade de absorver nutrientes tem explicação.
Ao contrário do que ocorre, por exemplo, com vacas e camelos, que ruminam o alimento em um órgão localizado na parte inicial do sistema digestivo, na capivara isso ocorre num órgão situado ao final do intestino grosso, o ceco.
"Como o ceco tem baixa capacidade de absorver nutrientes, todas essas substâncias acabam em um tipo diferente de fezes, chamado cecotrofo, que as capivaras liberam somente em alguns períodos do dia.
Os cecotrofos tem um alto valor nutritivo”, finaliza Franciane. Capivara flagrada em Corumbá (MS) Jay / iNaturalist Protozoário gigante Considerada um gigante entre seus pares, o protozoário Muniziella cunhai pode chegar a 3 milímetros de comprimento, o que permite que seja visto a olho nu. A espécie foi descrita pela primeira vez em 1939, mas só voltou a ser observada em 2018, quando a bióloga Franciane Cedrola encontrou-a em grande quantidade no intestino de uma capivara que havia sido atropelada. VÍDEOS: Destaques Terra da Gente Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente