Ajuliacosta, artista com mais de 982 mil ouvintes mensais, Dk Senna e Cae de Moura vieram da periferia da Grande São Paulo e fazem parte do grupo de jovens que aproveitaram a "brecha" para conquistar o próprio espaço.
Estilo e resistência: cultura periférica 'fura a bolha' e ganha destaque no mundo da moda @furianolhar/Divulgação Cultura, política e representatividade.
Antes mesmo de roupas e acessórios estilosos, a moda é o conjunto de ideias, convicções e aspectos cultural e socioeconômico de cada pessoa.
No Dia da Moda, celebrado nesta quarta-feira (21), o g1 destaca uma cultura que existe há décadas, mas só agora tem ganhado o devido reconhecimento: a moda periférica. "A importância dos jovens periféricos ocuparem espaços na moda é furar a bolha.
A moda é uma bolha onde poucos entram.
É sempre um conhecido daquela pessoa que veio de grandes faculdades, que muitas vezes a gente não tem acesso, sabe?", afirma a empresária e artista Ajuliacosta.
Clique para seguir o canal do g1 Mogi das Cruzes e Suzano no WhatsApp Julia Roberta da Costa Silva - ou, como é mais conhecida, "Ajuliacosta" - tem 26 anos, nasceu e começou sua trajetória em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.
Ela conta que, na adolescência, via que as amigas sempre apareciam com roupas novas, mas como a realidade dela não era a mesma, decidiu aprender a costurar com a mãe. "Com 14 anos comecei a customizar roupas e vestia as peças para ir à escola.
Depois de um tempo, as meninas começaram a gostar das roupas que eu fazia e aí comecei a vender para elas", conta. Julia criou a marca 'Ajuliacosta Shop' aos 17 anos Julia Costa/Arquivo pessoal Com a mesma idade, Julia começou a fazer parte um grupo de rap chamado "Mistura de Fatos" e, assim, fez com que as duas paixões - a moda e a música - começassem a andar lado a lado.
"Ele me chama de 'queen chavosa', no meio delas eu sou relíquia, ele conhece minha 'picadilha', sabe que em SP eu lancei moda", Ajuliacosta na música 'Queen chavosa', que faz parte do álbum Brutas Amam, Choram e Sentem Raiva, de outubro de 2023. Mesmo com o "boom" na carreira musical, Julia não deixa a marca de lado.
Ela sempre arruma um jeito de manter os dois alinhados e - claro - usa da música para divulgar as peças, como no clipe "Você Parece Com Vergonha", lançado há pouco mais de um mês (veja na foto abaixo). "É muito gratificante ver a proporção que a marca tem hoje em dia.
Estou com a marca há nove anos e penso que consigo ainda mais, sabe? Estou pensando em contratar mais pessoas, realmente fazer a parada crescer.
É um negócio tão potente que me faz acreditar que pode ser mais e mais sempre", relata. "A moda é um movimento, ela mostra quem você é.
Ela mostra de onde você veio.
Então quanto mais a gente furar a bolha, mais colocamos gente da gente lá e mais a gente deixa de ter uma moda preconceituosa, separatista e eurocêntrica.
Mais a gente vai colocando nosso dedo". Clipe de 'Você Parece Com Vergonha' foi lançado há pouco mais de um mês nas plataformas de vídeo @httsapollo/Divulgação (Des)construção da moda elitizada Uma das jovens que conseguiu "furar a bolha" foi a Adrielle Sena, a Dk Senna, uma modelo e stylist de Mogi das Cruzes.
Ela tem 23 anos e conta que, por conta da pouca idade e por ser mulher, começar no mundo da moda não foi fácil, já que muitas vezes era "invalidada" antes mesmo de apresentar o seu trabalho. "Trabalho com moda há uns três anos e, no início, eu não achava que esse lugar era para mim.
Eu não venho de um lugar onde as coisas acontecem fácil e as pessoas me olhavam como se eu não fosse capaz de realizar algo com excelência". g1 explica: segundo Dk Senna, "styling" é o ato de combinar roupas e acessórios a fim de comunicar algo.
O stylist precisa estudar e entender qual a mensagem que será passada por meio do visual.
Em um clipe musical, por exemplo, o stylist precisa passar uma mensagem por meio das roupas e acessórios e essa mensagem precisa estar alinhada à luz, o som e o modelo. Estilista produz moda ‘hype’ na periferia de SP para vestir celebridades da música Hoje, a artista já acumula trabalhos como modelo para a Vizzela, o e-commerce Beleza na Web (BLZ), além de styling para o Fashion Weekend Plus Size, o clipe "Ken Ela Quer" - do artista Fúria - e, um que ficará para sempre marcado na memória: o Baile da Vogue (veja na foto abaixo). "Esse trabalho foi uma loucura.
Tive cinco dias para concluir um look e criar um styling para o baile.
Conheci a modelo Amanda Souza na pandemia, pelo Instagram.
Na época, eu falava que queria trabalhar com moda e construir uma marca, enquanto ela queria ser modelo e criar conteúdos diferentes.
Aos poucos fomos vendo nossos sonhos se concretizando". "Ver uma amiga preta realizando um sonho e me levando junto, para um sonho que também era meu, foi incrível.
A gente riu, chorou, se abraçou e lembrou que um dia queríamos estar exatamente ali.
Duas meninas pretas vivendo o que sonharam um dia enquanto conversavam por telefone". Amanda Souza com o look 'Galáctika', feito por Dk Senna, no Baile da Vogue 2024 @furianolhar/Divulgação Para Dk Senna, o espaço que a moda periférica está ganhando é muito importante para furar a bolha da moda elitizada.
Entretanto, é essencial diferenciar a moda criada por artistas periféricos independentes da moda "periférica" criada por grandes marcas - que não são da periferia, mas se apropriam da cultura e transformam em algo"aesthetic" para agradar o mercado. "Um moleque preto usando seus trajes 'sportlife' e 'brazilcore', você acha que vão olhar pra ele e falar: 'uau, amei seu look sportlife' e que ele vai passar pela polícia sem tomar um salve? Claro que não! Isso é bonito na internet porque um gringo usou", relata. "A moda da periferia sempre existiu e sempre foi bonito para quem usava, só que - para a sociedade - corpos pretos que se expressam não são interessantes.
Preto na moda não é interessante, até que um branco diga que é". LEIA TAMBÉM: Já ouviu falar de Sportlife? Conheça o movimento que é uma vertente do streetwear Em ascensão no rap nacional, conheça a trajetória da artista Ajuliacosta Herança familiar Em algumas situações, a vitória não é individual.
No caso do Caetano de Moura Correia, o "Cae", o sucesso no trabalho vem de uma arte ensinada pela avó: fazer crochê.
O estudante de 17 anos é dono da marca "Patriota Crochês" e produz bonés, bags, buckets e até porta-isqueiro personalizados. "Comecei a fazer crochê aos 12 anos para uso próprio.
Eu fui o único neto que minha vó ensinou, nossa relação sempre foi muito boa, somos muito próximos e ela acompanhou e continua acompanhando de perto toda a minha trajetória com o crochê".
Cae de Moura fazendo crochê ao lado da avó, Arlete de Jesus, de 77 anos Caetano de Moura Correia/Arquivo pessoal Cae conta que o investimento inicial foi feito pelo pai, cerca de R$ 150 para comprar linhas e agulhas.
Hoje, o trabalho já rendeu bons frutos, em especial, dois bonés entregues para o rapper KayBlack. "Recebi uma mensagem do pessoal dele querendo encomendar, lá em 2021.
Quando vi a mensagem fiquei sem acreditar.
Fui até a casa dele entregar pessoalmente e, depois, ele postou foto, usou nos shows, clipes e até mesmo em uma viagem para a França - que é um lugar muito ligado com a moda.
Me senti muito feliz e realizado". Durante viagem, KayBlack usou o boné feito por Cae de Moura Reprodução/Redes sociais Já o segundo boné foi um presente do estudante para o cantor em homenagem ao EP "Contradições", lançado em março de 2023 (veja no foto abaixo). Mesmo com o alcance do trabalho, Cae comenta que o preconceito ainda é presente.
"Alguns clientes já me mandaram fotos dos bonés rasgados, como resultado de alguns atos das autoridades, e também já me deparei com vários comentários maldosos falando que devo ter aprendido a fazer crochê na cadeia", lamenta. "O crochê é algo tradicional da periferia.
Fico feliz que a nossa moda esteja alcançando novos espaços.
Moda é ser original e autêntico, usar o que você se sente bem e confortável, podendo se expressar por meio da roupa, sem ligar para a opinião do outro". Segundo Dk Senna, o mercado da moda está abrindo uma brecha e isso dá possibilidade para que os jovens periféricos ocupem cada vez mais espaço.
"Tem preto favelado fazendo música, criando marcas de bonés, se destacando no audiovisual e mostrando sua estética para o mundo.
Quer ato político maior do que preto e pobre vencendo e dizendo: 'sim, eu posso estar aqui e tenho capacidade para construir isso?'", finaliza.
Segundo boné feito para o KaybBlack, uma homenagem ao EP 'Contradições' Caetano de Moura Correia/Arquivo pessoal Assista a mais notícias sobre o Alto Tietê