Segundo especialista, apesar de não haver documentação oficial, boatos podem ser 'perfeitamente verdade'.
Acidentes de trabalho eram comuns nos anos 1960, época da construção da capital do país.
Candangos trabalhando na construção do Congresso Nacional, na década de 50 Arquivo Público do Distrito Federal O ano era 1956.
A partir do sonho de Juscelino Kubitschek, Brasília começava a ganhar forma.
Mas os bastidores da construção da capital do país não eram tão perfeitos como o projeto da cidade. Clique aqui para seguir o canal do g1 DF no WhatsApp. Os diversos acidentes de trabalho que marcavam o dia a dia dos Candangos — operários que vieram de várias regiões do Brasil para construir a capital — deram origem a relatos de que corpos de trabalhadores foram concretados junto aos prédios.
Apesar de não haver documentação oficial comprovando, o professor José Carlos Córdova Coutinho, do departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), explica que os boatos podem "perfeitamente ser verdade".
"Está na história oral de Brasília que, de vez em quando, caía um trabalhador.
As pessoas da obra viam aquele corpo passar voando e corriam para socorrer, mas quando chegavam embaixo, não tinha mais nada.
Já tinham recolhido o corpo e falavam: 'Não foi nada, ele está bem, foi levado para o hospital'", diz Córdova. Segundo o professor, as empreiteiras tentavam "abafar os casos" para não abalar os trabalhadores e, consequentemente, não diminuir o ritmo das construções.
O pesquisador conta ainda que, naquela época, não havia equipamentos de segurança, e que as estruturas de ferro onde os operários se apoiavam eram precárias e estreitas (veja galeria de fotos abaixo).
"Tinham muitas obras e muitos acidentes, porque foi um processo muito acelerado, várias obras ao mesmo tempo", diz o presidente do Clube dos Pioneiros de Brasília, Roosevelt Beltrão, de 84 anos. Em 2018, o g1 fez uma reportagem especial sobre a história de que corpos poderiam ter sido concretados na década de 1950.
Galerias Relacionadas Os casos O professor José Carlos Córdova diz que um caso comprovado é o de um operário que foi concretado na obra da Rodoviária do Plano Piloto.
Na pausa para o almoço, ele se refugiou em uma escavação para comer a sua marmita, porque era o único lugar que tinha sombra, e pegou no sono.
"Quando a obra foi retomada, despejaram concreto naquele buraco sem ver que tinha um operário ali.
E a obra prosseguiu, não podia paralisar, porque o ritmo era intenso.
Daí, deduz-se que outros casos teriam havido", diz Córdova. Outro caso marcante foi um desabamento de terra que soterrou dois jovens operários, de 18 e 28 anos, que ajudavam a construir o campus principal da UnB.
De acordo com o Memorial do Tribunal de Justiça do DF (TJDFT), os operários foram retirados já sem vida dos escombros, por colegas.
Monumento dois candangos, na Praça dos Três Poderes, em Brasília Toninho Tavares/Agência Brasília No lugar do acidente foi erguido um auditório, que recebeu o nome de "Dois Candangos", em homenagem às vítimas.
Já o monumento "Os Candangos" é uma obra em memória às vítimas, e foi erguido na Praça dos Três Poderes (veja foto acima). 'Apenas um episódio' Urbanista Lucio Costa ao lado do presidente JK Arquivo Público-DF/Divulgação Na construção do Congresso Nacional morreram 37 operários, segundo relatos da imprensa na época – que não deixam claro onde eles foram enterrados.
A dúvida se dá porque demorou a existir um cemitério "oficial" em Brasília.
No primeiro ano da capital, o Campo da Esperança, na Asa Sul, ainda não havia sido consagrado.
As outras opções eram os cemitérios em Planaltina e Taguatinga, mas o processo era burocrático, pois também não havia cartórios para fazer os registros de óbito. Por outro lado, não há confirmação oficial de que corpos estejam, de fato, nas fundações de Brasília.
Os relatos de acidentes eram desprezados pelo próprio urbanista Lucio Costa. "Do ponto de vista da construção da cidade, isso é apenas um episódio.
Não tem a menor importância", disse Lucio Costa ao ser questionado pelo cineasta Vladimir Carvalho sobre os acidentes de trabalho nos canteiros de obras, no documentário "Conterrâneos velhos de guerra". Em 2020, ano em que Brasília completou 60 anos, a capital ganhou uma data para homenagear os pioneiros que ajudaram na construção da cidade.
A Lei 6.633 instituiu o dia 12 de setembro como Dia do Candango. LEIA TAMBÉM: LENDAS DE BRASÍLIA: 'Túneis secretos' que ligam prédios da Esplanada dos Ministérios são reais? HOMEM AFOGADO, PORTAS BATENDO E ESPELHOS CAINDO: As histórias do 'apartamento assombrado' no centro de Brasília Leia mais notícias sobre a região no g1 DF.