Sequência do sucesso de 2008 ganhou o maior número de Kikitos do Festival de Gramado de 2024.
Filme estreia nesta quinta-feira (28).
Demorou “apenas” 16 anos para que “Estômago”, filme que conquistou o público e crítica desde o seu lançamento em 2008, tivesse uma continuação da história de Raimundo Nonato (João Miguel) e suas inusitadas desventuras culinárias.
É uma pena, no entanto, que “Estômago 2 – O Poderoso Chef”, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (29), se mostre uma sequência sem o mesmo sabor do filme original, mesmo usando alguns dos ingredientes que o tornaram uma iguaria diferenciada no cinema nacional.
A trama mostra que Nonato, depois de anos preso por causa dos eventos do primeiro filme, conseguiu conquistar a todos na cadeia com seus talentos culinários.
Ele se vale disso para comandar a cozinha do presídio e preparar pratos especiais para os carcereiros e os bandidos que lideram os detentos, como Etcétera (Paulo Miklos).
Mas as coisas mudam quando chega ao presídio o mafioso italiano Dom Caroglio (Nicola Siri), que também gosta de cozinhar e deseja ser o novo líder entre os presos.
O gângster simpatiza com Nonato e com sua comida, a ponto de exigir que ele seja seu cozinheiro exclusivo, o que desagrada Etcétera.
A tensão entre as duas lideranças aumentam e Nonato se vê em uma encruzilhada e precisa decidir para que lado seguir.
Assista ao trailer do filme "Estômago 2 - O Poderoso Chef" Receita indigesta “Estômago 2 – O Poderoso Chef”, coprodução entre Brasil e Itália, até começa bem, ao mostrar a curiosa rotina de Nonato na cozinha do presídio e sua visão culinária incomum, o que casa bem com o que foi mostrado no longa de 2008.
Só que, a partir do momento em que Caroglio entra em cena, o filme prefere dar mais destaque ao mafioso e deixa o cozinheiro cada vez mais de lado.
Por causa disso, aquele que deveria ser o protagonista se torna o coadjuvante da sua própria história.
O filme dedica muito tempo para contar a origem de Dom Caroglio, que antes de ser um gângster era o cozinheiro de um restaurante de comida brasileira do sul da Itália.
O longa também prefere enfatizar o envolvimento dele com Valentina Galante (Violante Placido), e a disputa de poder na família mafiosa da moça. Essa parte da história, além de não ter praticamente nenhuma conexão com as questões envolvendo Nonato ou os conflitos no presídio, é estendida além do limite e não é muito interessante.
Principalmente porque está cheia de clichês já vistos em filmes de mafiosos como “O Poderoso Chefão”, “Scarface” ou “Os Intocáveis”. Raimundo Nonato (João Miguel) comanda sua cozinha na cadeia em 'Estômago 2 - O Poderoso Chef' Divulgação O roteiro escrito a seis mãos se mostra ineficaz em encontrar um equilíbrio entre as duas tramas e demonstra pouca criatividade ao repetir situações e diálogos do filme original em alguns momentos, ao invés de buscar algo mais inventivo.
Para não dizer que nada funciona, há um bom paralelo entre os conflitos na prisão e a partida de Brasil e Itália na Copa de 1982, um episódio marcante para os dois países até hoje.
Se essa questão fosse mais aprofundada, “Estômago 2” teria um gosto um pouco mais agradável para o espectador. Gosto se discute A direção de Marcos Jorge, que também comandou o “Estômago” original e é um dos roteiristas, tem bons momentos, como a utilização de planos aéreos para mostrar a situação dos presos, ou as cenas mais violentas, que chegam a surpreender.
No entanto, o cineasta falha em ser mais inventivo para conduzir a trama italiana e deixa tudo em banho-maria, sem maior impacto.
A não ser em uma sequência quase no final do filme que alcança o objetivo de ser tensa o suficiente para prender a atenção.
Dom Caroglio (Nicola Siri) ensina culinária para Raimundo Nonato (João Miguel) em 'Estômago 2 - O Poderoso Chef' Divulgação Apesar dos problemas que apresenta, “Estômago 2” tem em seu elenco o ingrediente que impede que o resultado final seja totalmente arruinado.
Apesar de ser jogado para escanteio, João Miguel consegue cativar mais uma vez com sua atuação primorosa e sempre que está em cena é um grande prazer. Siri, mais conhecido do público brasileiro por interpretar o padre Pedro da novela “Mulheres Apaixonadas”, surpreende com uma boa composição para interpretar Dom Caroglio, ao tornar seu personagem ao mesmo tempo carismático e perigoso.
Graças a seus grandes trabalhos, os dois levaram juntos o prêmio de Melhor Ator no Festival de Gramado de 2024.
Além da dupla de protagonistas, vale destacar o bom trabalho de Miklos, que aqui tem mais espaço para atuar do que no primeiro filme e demonstra que evoluiu bastante como ator.
O ex-integrante dos Titãs constrói bem o criminoso Etcétera e trafega bem tanto nos momentos mais leves como nos mais tensos de seu personagem.
O elenco italiano é competente, mas não há grandes destaques.
“Estômago 2 – O Poderoso Chef” foi o filme que mais foi premiado no Festival de Gramado 2024.
Além do prêmio para Miguel e Siri, a produção levou os Kikitos de Melhor Roteiro, Melhor Direção de Arte, Melhor Trilha Sonora e Melhor Filme eleito pelo júri popular.
Mesmo com todos esses prêmios, a sensação que se tem ao final do longa é de que algo desandou na receita e resultou em um prato que tinha grande potencial, mas que acabou com um gosto bem duvidoso.
Na cozinha e no cinema.
João Miguel volta a viver Raimundo Nonato em 'Estômago 2 - O Poderoso Chef' Divulgação