Criador de cartoon que disseminou o termo no país, Péricles de Andrade Maranhão era pernambucano e faria 100 anos em 2024.
Personagem 'Amigo da Onça' colocava pessoas em situações constrangedoras ou desagradáveis Pinterest/Reprodução Você já teve um “amigo da onça”? Não é necessário muito esforço para associar a expressão a um amigo falso, a uma pessoa de índole questionável, ou a alguém que coloca o outro em enrascadas.
O responsável - ao menos em parte - por disseminar esse conceito no imaginário coletivo brasileiro foi o cartunista pernambucano Péricles de Andrade Maranhão.
Natural do Recife, Péricles nasceu em 14 de agosto de 1924, e teria feito 100 anos neste mês de agosto. Receba no WhatsApp as notícias do g1 PE Péricles não inventou a expressão “amigo da onça”, mas a tornou popular a partir da ilustração de um personagem com o mesmo nome, publicado pela primeira vez na revista O Cruzeiro, em 23 de outubro de 1943. Segundo os pesquisadores Ana Cristina Carmelino e Paulo Ramos, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no artigo "O impacto de o Amigo da Onça em charges contemporâneas: ethos e humor", a origem do personagem foi inspirada em uma série do ilustrador argentino Guillermo Divito, chamada "Enemigos del Hombre", publicada entre as décadas de 1930 e 1940. Outra versão, relatada na Enciclopédia Itaú Cultural de Cultura Brasileira, diz que a inspiração veio do quadro "The enemies of man" (Os inimigos do homem) , da revista norte-americana "Esquire".
No Brasil, ainda segundo a enciclopédia, o editor de O Cruzeiro convidou Péricles, então recém-chegado ao Rio de Janeiro, e que já colaborava com outros periódicos, para dar vida ao personagem que constantemente colocava outras pessoas em situações constrangedoras ou difíceis. Uma das versões sobre o surgimento da expressão, faz referência a uma piada conhecida no início dos anos 1940: "Dois caçadores conversam em seu acampamento: — O que você faria se estivesse na selva e uma onça aparecesse na sua frente? — Ora, dava um tiro nela. — Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo? — Bom, então eu matava ela com meu facão. — E se você estivesse sem o facão? — Apanhava um pedaço de pau. — E se não tivesse nenhum pedaço de pau? — Subiria na árvore mais próxima! — E se não tivesse nenhuma árvore? — Sairia correndo. — E se você estivesse paralisado pelo medo? Então, o outro, irritado, responde: — Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça? De acordo com o escritor e mestre em linguística Eugênio Jerônimo, não é possível assegurar que essa anedota, em específico, tenha sido a origem do personagem.
No entanto, o conto, junto com muitos outros, certamente inspiraram o artista, na visão do estudioso (veja vídeo abaixo). Escritor e linguista, Eugênio Jerônimo explica como expressão ‘amigo da onça’ se popularizou no país "A onça é um bicho muito simbólico no Brasil.
Você tem muitas lendas, histórias, piadas com a onça - e outras nem tão piadas assim - mas, para atingir uma dimensão dessas, a gente explica isso pela cultura de massas, como foi aproveitado por Péricles.
Com a força do humor, tornou-se uma coisa que atingiu o Brasil todo", comentou Eugênio Jerônimo. Ainda segundo Eugênio Jerônimo, outro fator que colaborou com a assimilação do personagem e do conceito da expressão "amigo da onça" foi o contexto histórico do país na década de 1940, quando o cartoon foi criado. "Em 1940 a gente era um país ainda muito rural, onde você tinha 30% do povo morando na cidade.
Então, era natural que existissem uma gama de expressões calcadas nas coisas do campo.
Você tem expressões como ‘fulano deixou o cavalo passar selado’, para dizer que alguém perdeu uma oportunidade", explicou o linguista. A associação entre período histórico e humor, para Eugênio Jerônimo, foi o que levou o "Amigo da Onça" às graças do povo.
Esse mesmo contexto responsável por consagrar o personagem, hoje, aponta reflexos de um Brasil com valores diferentes, onde muitas peças tinham no cerne de seu humor comentários que atualmente podem ser considerados sexistas e racistas. “Não só a cultura, mas a própria vida se faz com a língua.
A língua tanto dita a cultura, como se influencia por ela.
Todo o preconceito se sedimenta e se constrói pela veiculação da língua.
O mais ‘malvado’ é que você passa a naturalizar e dizer coisas como ‘programa de índio’ para se referir a um programa ruim, por exemplo.
Como se você perdesse a noção de onde [o conceito] vem e pudesse desenraizar isso da origem do preconceito”, explicou Eugênio. Apesar das problemáticas que poderiam ser apontadas a partir de discussões que tomaram corpo nas últimas décadas, bem depois do fim da veiculação de o "Amigo da Onça", o humor ácido e jocoso transformou o personagem numa das figuras mais reconhecidas do Brasil. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural de Cultura Brasileira, a tirinha do "Amigo da Onça" foi responsável pela fama nacional do desenhista pernambucano, que "é considerado um dos responsáveis pela inovação do humorismo brasileiro". Após a morte de Péricles - que se suicidou aos 37 anos, em seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro, o personagem da "tirinha" continuou a ser publicado pelo desenhista Carlos Estevão, até 1972. Em 1988, o cartoon foi adaptado para o teatro numa peça escrita pelos também cartunistas Chico Caruso e Nani e dirigida por Paulo Betti. Em entrevista ao jornal O Globo, em 1987, Paulo Betti classificou o personagem de humor como o mais popular do Brasil até então.
De acordo com o artista, os leitores recortavam as tirinhas, colecionavam e faziam álbuns. Cem anos depois do nascimento de Péricles de Andrade Maranhão e 52 anos após o fim da publicação periódica do personagem, "O Amigo da Onça" continua permeando o imaginário brasileiro e a cultura popular do país. Em 1988 Paulo Betti dirigiu os cartunistas Chico Caruso e Nani numa adaptação de o "Amigo da Onça" para o teatro Diogo Almeida/G1 VÍDEOS: mais vistos nos últimos 7 dias em Pernambuco