Além de negociar 'jobs', empresas abertas por pessoas negras oferecem assistência jurídica e financeira, e têm iniciativas para qualificar os criadores de conteúdo.
Del Nunes, Amanda Monteiro, Ashley Malia e Wanderlan Nascimento são alguns dos influenciadores negros que fazem parte das agências Reprodução/Instagram Representatividade, acolhimento e inclusão: os publicitários Tiago Trindade e Ricardo Silvestre não encontravam nada disso no mercado em que atuam.
Por muito tempo, ambos se viram sozinhos, entre os poucos negros nas agências em que trabalhavam.
Enxergando esse vazio no mercado, os publicitários decidiram abrir as próprias agências de marketing de influência focadas em criadores de conteúdos negros e periféricos.
A ideia é colocar esses influencers como personagens principais em trabalhos publicitários, não apenas como uma "cota".
A Digital Favela, do Tiago, conecta influencers com grandes marcas.
A Black Influence, agência de marketing do Ricardo, foca no desenvolvimento de negócios e oportunidades para os criadores. “É muito importante ter uma agência assim, porque são pessoas pretas que entendem nossas dores enquanto criadores de conteúdos negros.
Às vezes tem campanhas rolando e eles sabem cobrar, até mesmo precificar, ou brigar pela gente.
Isso é muito válido”, explica o influencer carioca Wanderlan Nascimento.
Desafio de mudar as narrativas A ideia da Digital Favela surgiu entre 2017 e 2018, mas somente em 2020 virou realidade.
No início da pandemia, Tiago e outros sócios perceberam que os moradores das favelas eram os que mais iriam sofrer, e por isso decidiram lançar uma plataforma.
"Quanto mais pessoas no mesmo lugar pensam do mesmo jeito, mais campanhas saem iguais.
Então o desafio foi esse, mudar essas narrativas, colocando vozes pretas e periféricas”, explica Tiago, sócio e líder criativo da Digital Favela.
Em parceria com a Central Única das Favelas (CUFA), a Digital conta atualmente com cerca de 7 mil influenciadores conectados em sua plataforma, abrangendo mais de 3 mil favelas e territórios indígenas em todo o Brasil.
Com quatro anos de operação, a Digital Favela já trabalhou com mais 100 marcas e empresas, como Santander, Claro, Facebook, Ambev, Bayer, TikTok, Meta, Nestlé e Casas Bahia.
Hoje, a empresa já realizou mais de 450 campanhas publicitárias e a expectativa é faturar R$ 20 milhões em 2024.
"A Digital Favela foi abraçada pelos influenciadores e também pelo mercado de comunicação, que também passou a dar espaço e entender que as favelas e periferias devem ter um olhar específico e direcionado", explica Tiago.
Junto às marcas, a agência disponibiliza cursos gratuitos sobre marketing, criação de conteúdo, monetização, entre outros.
O projeto 'Escola D.
Cria', que ajuda moradores de favelas a criarem projetos digitais e vender produtos e serviços na internet, abriu oportunidades para mais de 700 talentos.
“Quando fui assinar o contrato para fazer parte do casting fixo da agência, me perguntaram o mínimo que eu queria receber.
Eu nunca tinha trabalhado dessa forma”, lembra a manauara Amanda Monteiro.
Já com o TikTok, a empresa disponibilizou uma formação com 25 mil vagas para ensinar pequenos empreendedores e criadores de conteúdo a impulsionarem seus negócios por meio das ferramentas da plataforma (entenda mais).
Nascido e criado na periferia de Salvador, Del Nunes, de 26 anos, está na Digital Favela desde outubro do ano passado.
Com cerca de 67 mil seguidores no Instagram, o criador de conteúdo trabalhou por cinco meses em outra agência e não teve nenhum suporte.
“Eu estava sozinho, não tinha nenhuma rede de apoio com pessoas que trabalhavam na mesma área para conversar sobre valores.
Quando você vem da escassez, qualquer coisa parece fazer muito sentido”, lembra Del.
O artista visual sofreu alguns golpes, e acabou sendo lesado por não ter noção de como funcionava o mercado.
Um exemplo foi quando licenciou uma arte para uma marca de camisetas, onde cada peça era vendida por R$ 120 e o valor repassado para ele era R$ 10.
“Eu era única pessoa da região Nordeste, e a única que ganhava essa comissão”, lembra.
Por isso, Del destaca a importância de ter uma educação jurídica e financeira.
“Muitas propostas me passaram a perna, porque eu não tinha essa noção”, completa.
Assim como Del, outros influencers também passaram por situações semelhantes.
Por isso, a digital disponibiliza assistência jurídica, financeira, além de auxiliar na regularização dos criadores na categoria de Microempreendedor Individual (MEI), e questões como a emissão de notas fiscais.
Amanda Monteiro e Del Nunes são alguns dos criadores de conteúdo agenciados pela Digital Favela.
Reprodução/Instagram Amanda Monteiro, de 26 anos, é de Manaus, no Amazonas, e também chegou a fazer parte de outra agência antes de entrar no casting fixo da Digital.
“Eu sentia uma falta de assistência voltada para a Região Norte, de ter mais ações e buscas de trabalhos para cá”, lembra.
Com cerca de 24 mil seguidores no Instagram, a nortista tem como principal fonte de renda o trabalho como influenciadora.
Segundo Amanda, é importante ter uma agência mais segmentada para auxiliar nas buscas por trabalhos.
“É ótimo para gerenciar a parte criativa e priorizar mais minha saúde mental.
Não preciso estar me preocupando com orçamento, nem de estar debatendo com clientes, ou cobrar mais informações, então eu demando mais a prática burocrática para eles”, conta.
Ricardo Silvestre, à esquerda, é CEO da Black Influence.
Já Tiago Trindade, à direita, é sócio e líder criativo da Digital Favela.
Reprodução/Instagram 'Pessoas pretas que entendem nossas dores' A Black Influence, do Ricardo Silvestre, foi criada em 2019 e atualmente conta com 30 influencers fixos, além de contratar outros nomes do mercado quando necessário.
Nos últimos cinco anos, a empresa já repassou mais de R$ 40 milhões para influenciadores negros.
Segundo o empresário, o objetivo da empresa é mostrar para o setor publicitário que os influenciadores negros “precisam trabalhar o ano inteiro, não apenas em novembro” – mês que celebra o dia da Consciência Negra. Além de dar assistência jurídica e financeira, a agência indica consultoria de investimentos, quando existe interesse por parte do criador.
A empresa já destinou mais de R$ 5 milhões para influenciadores de Salvador (BA), como é o caso de Ashley Malia, de 27 anos.
Formada em jornalismo, ela está na Black há cerca de quatro anos com um contrato de exclusividade.
Atualmente, concilia o trabalho de influenciadora com um emprego de carteira assinada no setor de marketing.
Para investir na profissão de influencer, Ashley recentemente mudou-se para São Paulo.
No entanto, ela não consegue sobreviver apenas com esse trabalho e concilia ambas as carreiras.
A baiana não pensa em deixar o emprego formal até ter mais oportunidades.
“Existe uma dificuldade muito grande das marcas trabalhar com influenciadoras como eu, é uma caminhada difícil.
Não é sempre que eu tenho trabalhos”, afirma.
Inicialmente, Ashley tinha como foco produzir conteúdos relacionados a consciência racial.
Com isso, a influencer digital começou a sofrer diversos ataques nas redes sociais.
"O discurso de ódio mexeu demais com a minha saúde mental", lembra.
Em contatos com outros profissionais da agência, Ashley compreendeu que não precisava abordar apenas essa temática.
"Eu entendi que poderia falar sobre ser uma mulher negra a partir de uma perspectiva de felicidade e bem estar, foi nesse momento que veio a virada de chave", explica.
Ashley Malia e Wanderlan Nascimento são influenciadores digitais que fazem parte do casting da Black Influence.
Reprodução/Instagram O carioca Wanderlan Nascimento, de 24 anos, é outro influenciador que chegou na Black em 2020 sem entender como precificar o próprio trabalho.
“Quando eu recebi o primeiro orçamento por e-mail, eu fiquei muito perdido, nem sabia como cobrar, nem que valia alguma coisa”, conta.
Para receber pelos trabalhos, o influenciador precisou se regularizar como microempreendedor individual (MEI).
No entanto, Wanderlan não sabia como fazer isso, e seguiu um tutorial do YouTube.
“A agência chegou para somar, é ótimo ter uma pessoa para defender e validar o meu trabalho”, explica.
Hoje, com mais de 150 mil seguidores no Instagram, o criador de conteúdo passou de MEI para ME (Microempresa), – entenda a diferença – além de ter contratado a irmã para auxiliar na produção de conteúdos.
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